UNIÃO ESTÁVEL E PENSÃO POR MORTE

Autores: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná e VALDERIANE SCHIMICOVIAKI, advogada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho 


UNIÃO ESTÁVEL E PENSÃO POR MORTE

 

 

RESUMO: O presente informativo tem como escopo explicitar a possibilidade de a união estável ensejar, frente ao INSS, o benefício da pensão por morte urbana. Nesse sentido, considerando-se as recentes mudanças jurídicas acerca do tema, analisa-se quais os requisitos para a concessão do benefício, bem como sua duração. Ademais, visualiza-se a jurisprudência pátria a fim de demonstrar de que modo a separação de fato - entre casados ou conviventes - modifica a concessão de pensão por morte.

 

Palavras-chave: pensão por morte; união estável; separação de fato.

 

Sumário: I. Introdução: panorama geral da pensão por morte; II. Os/as companheiros/as tem direito a pensão; III. A separação de fato afasta o direito ao benefício?; IV - Conclusão.

 

I - Introdução: panorama geral da pensão por morte

 

Preliminarmente, cumpre destacar que o presente informativo tem como objeto o benefício da pensão por morte urbana, não se confundindo com a pensão por morte rural. Desta feita, trata-se do benefício devido apenas aos dependentes de trabalhador urbano que vier a falecer, ou tiver sua morte presumida decretada judicialmente. A pensão é instituída pela Lei n. 8.213/91, que em seu art. 74 dispõe:

 

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I - do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta) dias após o óbito, para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após o óbito, para os demais dependentes;

II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.

 

Necessário, então, delimitar quem o dispositivo entende por dependentes, ou seja, quem é que tem direito a pensão após a morte do segurado. A Lei estabelece três classes de dependentes:

 

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

 

 Assim, os dependentes de primeira classe (inciso I) serão aqueles que receberão o benefício. Os dependentes de segunda classe (inciso II), por sua vez, só receberão a pensão caso não haja dependentes de primeiro grau. A mesma lógica se aplica aos dependentes de terceira classe (inciso III), que receberão desde que inexistentes dependentes de primeira e segunda classe.[1] Havendo mais de um pensionista, isto é, existindo mais de um dependente de mesma classe, o benefício será rateado entre todos em partes iguais, conforme manda o art. 77 da Lei.[2]

Outrossim, importante mencionar que os dependentes de segunda e terceira classe, para além de sua configuração legal, precisarão demonstrar ao INSS que eram dependentes econômicos do segurado falecido para terem direito ao benefício. Os dependentes de primeiro grau, no entanto, são presumidamente dependentes economicamente, de modo a não precisar provar isso.[3]

Em tempo, a duração do benefício depende da idade do pensionista, de acordo com o art. 77, § 2º, alínea c, da Lei. A seguir, tabela exemplificativa que mostra a duração do benefício de acordo com a idade:

PERÍODO

ÍDADE MÍNIMA

IDADE MÁXIMA

3 anos

0

21

6 anos

21

26

10 anos

27

29

15 anos

30

40

20 anos

41

43

Vitalício

44

óbito

 

Sendo assim, a exemplo, se a esposa do falecido (dependente de 1º grau) tiver 42 anos quando do falecimento de seu esposo, ela terá direito a 20 anos do benefício, cujo valor será rateado com os demais dependentes de 1º grau. É vedado, no entanto, uma pessoa receber mais de uma pensão por morte de pessoas diferentes.[4]

Quanto ao valor da pensão por morte, com a Reforma da Previdência (EC/103), ficou estipulado que, se o falecido já era aposentado, o valor da pensão será de 50% da aposentadoria mais 10% para cada dependente, limitando-se a 100%. Se existia somente um dependente, o valor seria de 60%; se dois, 70%; e assim por diante.[5]

 

II - OS/AS COMPNAHEIROS/AS TEM DIREITO A PENSÃO?

 

Respondendo a pergunta do capítulo, sim. Conforme o art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, a companheira e o companheiro são dependentes de primeira classe, sendo presumível a sua dependência econômica e tendo direito a pensão por morte. Dessa maneira, antes, há de se ressaltar o que, para o RGPS, significa a União Estável. Para além do reconhecimento constitucional,[6] a união estável é tratada da seguinte forma pelo art. 16, §3º, da Lei n. 8.231/91:

 

§3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

 

Sendo assim, incontroverso que o companheiro tem direito a pensão. Por óbvio, soma-se a definição clássica dada pelo Código Civil, ou seja, necessário que se preencha os requisitos do art. 1.723 para a configuração de união estável:

 

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

 

É quanto ao reconhecimento da união estável que se encontra a maior dificuldade, pois, diferentemente do casamento - em que há documento incontroverso de comprovação (certidão de casamento) -, a união estável é comprovada, normalmente, por elementos menos objetivos.

Nessa esteira, antes era admitido para o reconhecimento da união estável a prova testemunhal. Contudo, com a Lei n. 13.846/19, essa possibilidade não mais subsiste, sendo necessário prova documental. Eis como ficou o § 5º do art. 16 da Lei n. 8231/91:

 

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.

 

Visualiza-se, igualmente, que é necessária a demonstração de que a união estável é anterior a dois anos do óbito do segurado, a fim de que o companheiro sobrevivente tenha direito a pensão. A documentação para a comprovação de dependência é elencada no art. 22, § 3º, do Decreto 3048/99. Dos documentos elencados, é necessário três para comprovar.[7]

 

III - A SEPARAÇÃO DE FATO AFASTA O DIREITO AO BENEFÍCIO?

 

Sim, desde 2015 a separação de fato afasta o direito ao benefício da pensão por morte. Anteriormente a 2015, especificamente anteriormente a Lei 13.135/15, havia a possibilidade do cônjuge ou companheiro, separado de fato com o segurado falecido, pleitear o benefício. Isso porque a Lei 8.112/90, em sua redação original, dizia no art. 217, I, alínea b, que o cônjuge, separado judicialmente ou divorciado, que à data do óbito estivesse percebendo alimentos, teria direito a pensão, sendo presumível sua dependência econômica. Isso se estendia, igualmente, as uniões estáveis em que os companheiros já estavam separados de fato, mas não tinham reconhecido e dissolvido a união estável judicialmente.

Era, com a devida vênia, uma aberração. A pessoa que separada de fato, mesmo que não percebesse alimentos, por não estar divorciada ou ter a união estável dissolvida judicialmente, teria também a possibilidade de pleitear o benefício, conforme a letra da lei.

No entanto, com a Lei n. 13.135/15, a situação foi, ao que parece, solucionada. Isso porque alterou a redação dada pelo inciso II do art. 217 da Lei n. 8.112/90, passando a vigorar a seguinte redação:

 

II - o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente;

 

Agora, assim como o cônjuge separado judicialmente ou divorciado, o cônjuge ou companheiro separado de fato terão que comprovar que à data do óbito do segurado percebiam alimentos, a fim de se pleitear o benefício a pensão por morte. Nesse sentido de necessidade de comprovação de dependência econômica à época do óbito, a jurisprudência pátria é pacífica:

 

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA SEPARADA DE FATO E COMPANHEIRA. RATEIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. A despeito do rompimento dos laços conjugais em razão de separação de fato, a ex-companheira, caso comprovada a manutenção da dependência econômica, tem direito à pensão por morte, ainda que não estivesse formalmente recebendo pensão alimentícia, devendo ser mantido o rateio da pensão. (TRF-4 - AC: 50239480620164047200 SC 5023948-06.2016.4.04.7200, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 23/10/2018, TERCEIRA TURMA). (sem grifos no original).

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. EX-COMPANHEIRA SEPARADA DE FATO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Os ex-companheiros perdem a qualidade de dependentes se ao tempo do óbito houver cessado a convivência, a não ser que tenha sido reconhecido em seu favor o direito à percepção de alimentos do de cujus. 2. A jurisprudência previdenciária desta Corte distingue duas situações nos casos de cônjuges separados que buscam provar a dependência econômica: (i) a dependência econômica do cônjuge separado que recebia pensão de alimentos é presumida (art. 76, § 2º c/c art. art. 16, § 4º); (ii) a dependência econômica do cônjuge separado que não recebia pensão de alimentos deve ser comprovada. 3. In casu, há nos autos prova material e testemunhal que comprova a dependência econômica da autora em relação ao de cujus. 4. Rateia-se a pensão entre autora e corré. (TRF-4 - APELREEX: 50259234820114047100 RS 5025923-48.2011.404.7100, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/09/2016, SEXTA TURMA). (sem grifos no original).

Dessarte, a legislação e a jurisprudência respondem: a separação de fato afasta o benefício da pensão por morte, excetuando-se se demonstrada que à data do óbito percebesse alimentos do de cujus, ou que dele se mantém dependente financeiro.

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em que pese a legislação previdenciária ser alterada constantemente, a celeuma quanto o benefício da pensão por morte do INSS parece estar estabilizada. Conforme fora visto, este benefício surge para amparar os dependentes econômicos do segurado falecido - que, presume-se, contribuiu com a previdência social.

Nesse sentido, importante se atentar aos detalhes que gravitam em torno do tema. Isso porque, por exemplo, há um tempo limite para o requerimento do benefício (art. 74, I, da Lei n. 8.213/91), bem como não são todos os dependentes que têm direito a pensão. Há classes diferentes de dependentes, de modo que somente os de primeiro grau são considerados presumidamente dependentes econômicos.

Nessa classe, encontra-se o/ companheiro/a, de modo que os conviventes - aqueles em união estável com o segurado - são considerados dependentes de primeiro grau e tem direito ao benefício. No entanto, como mencionado, há necessidade de comprovação documental - não se admite mais prova testemunhal - de que a união estável dura há mais de dois anos desde o óbito do segurado.

Por fim, disseca-se a legislação vigente e a jurisprudência para demonstrar como a separação de fato, via de regra, afasta a possibilidade de se pleitear o benefício da pensão por morte. Apresenta-se, outrossim, exceções a essa regra, mormente vinculado a manutenção da dependência econômica do cônjuge ou companheiro para com o de cujus.



[1] Art. 16. § 1º: A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

[2] Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.

[3] Art. 16. § 4º: A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada

[4] Emenda Constitucional nº 103. Art. 24.  É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.

[5] Emenda Constitucional nº 103. Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).

[6]  Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

[7]   § 3º  Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos:

I - certidão de nascimento de filho havido em comum; II - certidão de casamento religioso; III - declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; IV - disposições testamentárias; V - revogado; VI - declaração especial feita perante tabelião; VII - prova de mesmo domicílio; VIII - prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil; IX - procuração ou fiança reciprocamente outorgada; X - conta bancária conjunta; XI - registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado; XII - anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados; XIII - apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; XIV - ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável; XV - escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente; XVI - declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou XVII - quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.


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