ALIMENTOS AO EX-CÔNJUGE E SUA TEMPORALIDADE

ALIMENTOS AO EX-CÔNJUGE E SUA TEMPORALIDADE

 

 

RESUMO: O presente informativo tem como fim analisar o dever alimentício entre os ex-cônjuges após o divórcio, de modo a averiguar quais as suas hipóteses e a sua temporalidade. Verifica-se que, por força da jurisprudência pátria, os alimentos ao ex-cônjuge, em regra, não podem ser ad eternum, havendo, no entanto, exceções para tal regra. Caracteriza-se, assim, os alimentos ao ex-cônjuge como excepcionais e temporários, reflexo de o ordenamento jurídico brasileiro ter reconhecido uma maior emancipação das mulheres nas relações de trabalho.

 

Palavras-chave: alimentos ao ex-cônjuge; temporalidade; alimentos temporários.

 

Sumário: I. Introdução; II. Do dever alimentício; III. Sua temporalidade; IV. Conclusão.

 

1 - INTRODUÇÃO

 

A Constituição de 1988, que traz em seu cernes princípios nucleares como o da dignidade e igualdade, refletiu a nova moldura social que já estava desenhada à época. Ao que tange o presente artigo, cumpre evidenciar como os contornos familiares deixaram de ser, juridicamente, matrimonializados e patriarcais, em atenção ao fenômeno da emancipação das mulheres, as quais se inserem no mercado de trabalho e buscam a isonomia material entre os gêneros.

Essa nova perspectiva, por óbvio, irradia-se na questão dos deveres alimentícios entre os ex-cônjuges, fundamentados no Código Civil. Nesse particular, vê-se clara diferença após a CF/88, uma vez que, anteriormente, os alimentos vitalícios aos ex-cônjuges eram regra e o não dever alimentício a exceção. Hodiernamente, contudo, conforme se verá adiante, o que era regra se tornou exceção: os alimentos são excepcionais e transitórios.

 

2 - DO DEVER ALIMENTÍCIO

 

O dever alimentício entre ex-cônjuges tem guarida jurídica no art. 1.694 do Código Civil,[1] ditando a possibilidade de cônjuges ou companheiros pedirem uns aos outros alimentos para viver de modo compatível com sua condição social. Caso ainda houvesse dúvidas, além do art. 1.702,[2] o art. 1.704 trata em específico dos ex-cônjuges:

 

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

 

Essa possibilidade, no entanto, vem com certas condicionantes. Em primeiro lugar, o pleito por alimentos, de acordo com o artigo 1.695:

 

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

 

É apenas sob essa hipótese, portanto, que é cabível o pedido de alimentos pelo/a ex-cônjuge. Agora, considerando o caso concreto em que a hipótese se faz presente, a segunda condicionante é colocada pelo legislador no §1º do art. 1.694: "os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".

É o que a doutrina e jurisprudência convencionaram chamar de binômio necessidade-possibilidade. Isto é, os alimentos devem ser fixados de acordo com a necessidade de quem os pleiteia e a possibilidade da pessoa que está sendo pleiteada. Isso tudo caso a hipótese do art. 1.695 esteja presente. A jurisprudência, no entanto, tem se direcionado no sentido de adicionar um terceiro elemento ao binômio: a proporcionalidade, tornando-se em trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, também com fulcro no art. 1694. A exemplo, decisão do TJ-PR:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMETO. AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C ALIMENTOS. FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DA EX-CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO TRINÔMIO NECESSIDADE, POSSIBILIDADE E PROPORCIONALIDADE. VERIFICADA A NECESSIDADE DA EX-MULHER EM RECEBER ALIMENTOS PROVISÓRIOS. ALIMENTANTE QUE DEMONSTROU NÃO POSSUIR CONDIÇÕES DE ARCAR COM O VALOR FIXADO NA DECISÃO LIMINAR. MINORAÇÃO QUE DEVER SER EFETUADA, DIANTE DOS ELEMENTOS DO PROCESSO. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A fixação da obrigação alimentar deve ser realizada com observância de seu trinômio formador: necessidade, possibilidade e proporcionalidade. 2. O princípio da proporcionalidade, norteador da obrigação alimentar, consubstancia-se em ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, guardando relação com a capacidade econômica do alimentante e necessidade do alimentando. (...). (TJ-PR - EXSUP: 10257393 (Acórdão), Relator: Ivanise Maria Tratz Martins, Data de Julgamento: 13/11/2013, 12ª Câmara Cível). (sem grifos no original).

 

Por fim, dada a importância dos alimentos para o ordenamento, o art. 1.700[3] ainda dispõe que a obrigação alimentar subsiste aos herdeiros do devedor em caso de sua morte. Nota-se, destarte, que os alimentos não são imediatamente devidos após a separação conjugal como eram antigamente, sendo, inclusive, exceção à regra. Há de se cumprir com os requisitos do art. 1.695, bem como com o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, a fim de se haver o dever alimentício.

 

3 - SUA TEMPORALIDADE

 

Quanto a temporalidade dos alimentos, ou seja, por quanto tempo subsiste o dever alimentício, há igualmente mudanças relevantes com os novos ideais da sociedade. Antes, os alimentos aos ex-cônjuges eram vitalícios. Todavia, essa visão se demonstra desarrazoável atualmente, especialmente quando quem pleiteia os alimentos tem condições de se inserir no mercado de trabalho e prover sua própria mantença.

Os alimentos ao ex-cônjuge, portanto, são, em regra, transitórios, isto é, por prazo certo, até que o/a sustentado/a reúna condições para se sustentar. É entendimento pacífico dos tribunais pátrios, conforme se vê em decisão do STJ (ponto 2):

 

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS – PENSIONAMENTO ENTRE EX-CÔNJUGES – EXCEPCIONALIDADE – CARÁTER TEMPORÁRIO – CAPACIDADE LABORATIVA E INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DA EX-CONSORTE – EXONERAÇÃO – POSSIBILIDADE – PROVIMENTO DO APELO EXTREMO. Hipótese: (...) 1. Esta Corte firmou a orientação no sentido de que a pensão entre ex-cônjuges não está limitada somente à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, como a capacidade do alimentando para o trabalho e o tempo decorrido entre o início da prestação alimentícia e a data do pedido de exoneração. Precedentes. 2. A pensão entre ex-cônjuges deve ser fixada, em regra, com termo certo, assegurando ao beneficiário tempo hábil para que seja inserido no mercado de trabalho, possibilitando-lhe a manutenção pelos próprios meios. A perpetuidade do pensionamento só se justifica em excepcionais situações, como a incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho, que evidentemente não é o caso dos autos. Precedentes. (...). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.370.778. Relator: Min. Barco Buzzi. Brasília, DF, março 10 de de 2016). (grifado).

 

A referida decisão é muito elucidativa, pois também traz as hipóteses de exceção. Assim, a pensão alimentícia somente será vitalícia em situações como "a incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho" (ponto 3). Do contrário, a fixação dos alimentos deve ser em prazo certo.

O referido julgado ainda traz que para a revisão da pensão (majoração, minoração e exoneração) há de se analisar a variação econômica-financeira das partes, atrelado a capacidade do sustentado de trabalhar e o tempo decorrido entre a fixação dos alimentos e o pedido de revisão (ponto 1).

No entanto, ocorre que, quando a fixação dos alimentos não é dada com prazo certo, o alimentante pode pedir sua revisão a qualquer momento, sem a necessidade de variação da capacidade-necessidade, já que os alimentos tem caráter transitório.[4] Por fim, insta salientar que se o credor da pensão alimentícia casar ou estiver em outra união estável, cessa-se o dever alimentício do devedor.[5] A recíproca, no entanto, não é verdadeira: caso o devedor se case novamente ou esteja em nova união estável, permanece a obrigação alimentícia.[6]

 

4 - CONCLUSÃO

 

Com os novos ideais da sociedade, especialmente a emancipação da mulher, representados na Constituição Federal de 1988, a questão da pensão alimentícia entre ex-cônjuges se modificou. Preteritamente, quando a ordem jurídica reconhecia como única família a patriarcal, a pensão alimentícia era vitalícia e para todos os casos - em regra. Agora, com a nova ordem social, a situação se inverteu: os alimentos são excepcionais e, quando fixados, normalmente com prazo certo. Construiu-se esse entendimento, principalmente, jurisprudencialmente, com amplo arcabouço de decisões que tratam da excepcionalidade e transitoriedade do dever alimentício. Não obstante, por óbvio, exceções são encontradas - por exemplo, no caso de impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho.



[1] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

[2] Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694 .

[3] Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694 .

[4] " (...) 8. Se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado reverta a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos. (...). (REsp n. 1.388.116 – SP (2013⁄0092817-7), Relator Ministro NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄05⁄2014).

[5] Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.

[6] Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.