EXCLUSÃO DA SUCESSÃO:
DESERDAÇÃO
Autores: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná
VALDERIANE SCHIMICOVIAKI, advogada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho
RESUMO:
O presente informativo tem como
objetivo apontar as principais características do instituto da deserdação no
ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, compara-o com a indignação,
demonstrando as peculiaridades de cada hipótese de exclusão da sucessão.
Adiante, visto a ainda limitada liberdade testamentária do testador, examina-se
dois projetos de leis que tramitam no Congresso, nos quais aumenta-se as causas
de deserdação, a fim de ampliar a autonomia privada do testador.
Palavras-chave: deserdação; indignação;
vontade do testador.
Sumário: I. Deserdação e indignação:
diferenças; II. Projetos de leis que tentam aumentar a liberdade testamentária
no que concerne a deserdação; III. Conclusão
I - DESERDAÇÃO E INDIGNAÇÃO: DIFERENÇAS
O ordenamento
jurídico brasileiro, mais especificamente o Código Civil, permite que o
herdeiro seja excluído da sucessão em duas hipóteses: na de indignação e na de
deserdação. Ambos são sanções civis para atos
incontroversos de menosprezo contra o autor da herança, de modo a fazer
com que os herdeiros percam os direitos que viriam a ter em relação à herança. Embora
tenham efeito idêntico - a
exclusão da sucessão -,
indignação e deserdação possuem características diferentes.
Aponta-se
brevemente as características da indignação a fim de se demonstrar que se trata
de um instituto diferente da deserdação - foco do presente trabalho - de modo que não podem ser
confundidos.
A indignação, em primeiro lugar, tem suas
causas dispostas no art. 1.814 do Código Civil, tendo alcance tanto a sucessão
testamentária quanto a legítima:
Art. 1.814. São
excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I
- que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que
houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em
crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por
violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de
dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Veja-se,
preliminarmente, que tal dispositivo não trata explicitamente sobre a
indignação, de modo que essas causas
também ensejam a deserdação. Agora, tratando sobre os incisos em
específico, observa-se que as causas para a exclusão da sucessão são,
respectivamente, relacionados a atentados contra a vida, contra a honra e
contra a liberdade de testar do testador. Diferentemente dos atos ilícitos, que
possibilitam indenização, a materialização de algum desses incisos incorre em
exclusão da sucessão.
Para tanto, então,
a ação de indignação pode ser ajuizada em face de qualquer herdeiro (legítimo
ou legatário), por ato ocorrido antes ou depois do falecimento do autor da
herança. Ademais, a indignação será declarada mediante sentença (art. 1.815),[1]
atentando-se ao fato que há prazo de quatro anos para que a ação seja ajuizada
a partir da abertura da sucessão (art. 1.815, §1).[2]
Existe, no entanto, a possibilidade de perdão ao indignado, desde que
expressamente colocado em testamento ou outro ato autêntico - sem prejuízo, o perdão pode
ser tácito, mas nesse caso apenas teria o indigno direito a sucessão legatária,
e não a legítima.[3]
Passando a deserdação, identifica-se como núcleo
desse instituto a declaração de vontade
do testador, de modo que, sem ele, não há deserdação: é disposição de última vontade. Isso porque essa hipótese apenas
ocorre mediante ato de vontade do testador em seu testamento, no qual excluirá
algum herdeiro da sucessão - com
o detalhe de que somente os herdeiros necessários (cônjuge, ascendentes e
descendentes) podem ser deserdados, conforme art. 1.961, CC.[4] O
alcance, igualmente, é tão somente a sucessão testamentária.
Essa disposição
testamentária, no entanto, deve vir justificada e especificada com os motivos
que levariam a deserdação, ou seja, deve trazer sob qual base legal está
deserdando o herdeiro (art. 1.964, CC).[5]
Além do art. 1.814, os arts. 1.962 e 1.963 tratam dos motivos que ensejariam a
deserdação:
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814 , autorizam
a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814 , autorizam
a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do
neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave
enfermidade.
Interessante
notar que as causas taxativamente elencadas nestes dois artigos referem-se
apenas a ascendentes e descendentes. Desta feita, não se podendo ampliar norma
restritiva, como são esses dois artigos, o cônjuge pode somente ser deserdado
mediante as causas do art. 1.814.
Logicamente, se
será declarado no testamento, o ato que configuraria deserdação necessariamente
deve ocorrer antes do falecimento do de cujus. Após a abertura do testamento,
assim como na indignação, o herdeiro beneficiado pela deserdação tem quatro
anos para provar a veracidade da causa disposta no testamento.[6]
Explanadas as
características de ambos is institutos - indignação e deserdação -, traz-se quadro com as
principais diferenças para melhor visualização:
|
Indignação |
Deserdação |
Fontes |
Apenas o art. 1.814
do Código Civil |
Para além do art.
1.814, os arts. 1.962 e 1.963 do Código Civil |
Alcance |
A exclusão alcança
tanto a legítima quanto a sucessão testamentária |
A exclusão alcança
apenas a sucessão testamentária |
Partes |
Ação pode ser
ajuizada em face de qualquer herdeiro, necessário ou legatário |
A deserdação pode
ser feita apenas para herdeiros necessários |
Vontade |
Trata-se de
vontade presumida |
Trata-se de
vontade necessariamente expressa |
Meio |
Sentença judicial |
Disposição
testamentária |
Ato |
Ato praticado
antes ou depois do falecimento do de
cujus |
Ato praticado
necessariamente antes do falecimento do de
cujus |
Vê-se que há certas
limitações à vontade de dispor de seus próprios bens após a morte em se
tratando de deserdação. Primeiro,
pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, que assegura ao menos metade dos
bens do de cujus aos herdeiros
necessários, de modo que se pode dispor apenas, via testamento, 50% do seus
bens. Segundo, porque a deserdação
exige que seja feita mediante testamento, ato não muito comum no Brasil. Terceiro, por fim, porque a deserdação
somente poderá ocorrer caso haja o enquadramento de algumas das causa legais,
elencadas em rol taxativo.
II
- PROJETOS DE LEIS QUE TENTAM AUMENTAR A LIBERDADE TESTAMENTÁRIA NO QUE
CONCERNE A DESERDAÇÃO
Tendo visto as
características da deserdação, comprovou-se que a liberdade testamentária,
neste particular, é bastante restrita pelo próprio ordenamento legal vigente.
Nesse sentido, existem dois Projetos de Lei tramitando no Congresso justamente
para tentar aumentar as causas que possibilitariam a deserdação, aumentando a
liberdade testamentária do testador. São eles: PL 3.145/15, de autoria de do
deputado Vicentinho Júnior (PSB/TO); e PL 3.799/19, de autoria da senadora
Soraya Thronicke (PSL/MS).
A primeira - PL 3.145/15 -,[7] já
aprovada na Câmara dos Deputados e esperando apreciação do Senado, propõe
ampliar uma causa para a deserdação nos arts. 1.962 e 1.963, qual seja, a deserdação
na hipótese de abandono afetivo e moral. Eis a redação de um possível inciso V:
"abandono em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou
congêneres". Embora tente aumentar a autonomia privada do testador, essa é
a única ampliação proposta, de modo que outros problemas referentes a
deserdação, tais quais o fato de que essa ampliação só atingiria ascendentes e
descendentes, mas não o cônjuge, ou então a relativa defasagem dos demais
incisos dos arts.; não são tocadas pelo PL.
A segunda - PL 3.799/19 -,[8]
por sua vez, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, é mais abrangente que
o outro PL. Propõe a ampliação de causas, colocando o abandono afetivo e o
desamparo material como justificantes para a deserdação. Veja-se que, diferente
do outro PL, o abandono afetivo não está restrito a alguns estabelecimentos,
mas é posto de maneira geral.
Este PL, ainda,
altera substancialmente os arts. que tratam das causas para deserdação. A
exemplo, modifica o inciso I de "ofensa física" para "ofensa
física ou psicológica", abrangendo a integridade psíquica também, bem como
suprime o inciso III, uma vez que até o adultério já deixou de ser crime no
ordenamento jurídico brasileiro. Explicitado essas mudanças, parece que a
alteração mais interessante se refere a legitimidade ativa, que é transferida
ao deserdado, o qual, querendo, impugnará a causa motivadora da deserdação.
Retira-se dos demais herdeiros o ônus da prova, de modo a fazer prevalecer a
última vontade do testador.
III
- CONCLUSÃO
Visualizado as
diferenças entre indignação e deserdação, viu-se que, embora tenham diferenças
entre si, possuem o mesmo efeito: a exclusão da sucessão do herdeiro. No
entanto, notou-se que em ambos os institutos, mas, especialmente, no da
deserdação, que essa liberdade de exclusão é bastante restrita nos moldes
atuais da legislação brasileira. Entende-se que isso é reflexo da já existente
pouca autonomia dada pelo ordenamento em questões sucessórias, de modo que a
deserdação segue a mesma toada. Nesse sentido, verificou-se que há também
Projetos de Lei em tramitação no Congresso que objetivam justamente aumentar a
autonomia privada do testador quando se trata de deserdação. Ocorre que, embora
louváveis, essa ampliação seria apenas pontual, não alterando a inabilidade do
falecido imposta pelo ordenamento jurídico de dispor de seus bens livremente
após a morte.
Pondera-se que,
talvez, para fins de atingir maior liberdade sucessória, o próprio Direito
Sucessório tenha que passar por mudanças estruturais, não pontuais,
especialmente no que se refere a faculdade do testador dispor apenas de 50% dos
seus bens, visto que a outra metade destina-se obrigatoriamente aos herdeiros
necessários.
[1] Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer
desses casos de indignidade, será declarada por sentença
[2] § 1 o O direito de demandar a
exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da
abertura da sucessão.
[3] Uma última
característica da indignação que é importante de se reiterar é quanto as
especificidades da ação quando ocorre o atentando a vida do autor da herança
(art. 1.814, I). Quando há a ocorrência desse inciso, por exemplo, o Ministério
Público tem legitimidade ativa para propor ação de indignação. Ainda, se um
herdeiro é declarado indigno por atentar contra a vida do testador, atinge-se
também seu cônjuge, ascendentes e descendentes, os quais também não terão
direito a herança.
[4] Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima,
ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.
[5] Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação
ser ordenada em testamento.
[6] Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a
deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.
Parágrafo
único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro
anos, a contar da data da abertura do testamento.
[7] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1805805>.
[8] Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137498>.