Autores: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná e VALDERIANE SCHIMICOVIAKI, advogada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho
O PAGAMENTO DE ALIMENTOS EM MEIO À PANDEMIA DO
COVID-19
RESUMO
Pelo próprio modo de contaminação, o coronavírus
obrigou um replanejamento de todas as esferas que compõem a sociedade, sendo
uma delas o Direito. É impossível tratar das consequências da pandemia sem
relevar o aspecto econômico, o qual, juntamente com a saúde pública, é o âmbito
mais vulnerável na atual conjuntura.
Por conseguinte, no presente artigo
haverá exposição das consequências e adaptações que o Covid-19 promoveu no que
se refere ao pagamento de pensão alimentícia e também à prisão civil. Ademais,
consegue-se retirar perspectivas mais gerais a todas relações jurídicas, tais
como a necessidade de análise do caso contrato defronte a decisões e
determinações generalizadas que em nada contribuem para a segurança jurídica em
um momento pós-crise.
Assim, será demonstrado de modo
breve os pressupostos para arbitramento da pensão alimentícia, se esta continua
sendo obrigatória em período de pandemia e por fim sobre o atual contexto da
prisão civil, com escopo de mencionar qual a solução adotada provisoriamente.
1. INTRODUÇÃO
Após praticamente um mês de adoção da quarentena e
isolamento social por grande parte da população brasileira a fim de evitar o
contágio e a propagação do coronavírus, é impossível, no âmbito jurídico, não
notar o constante debate acerca da nova realidade das relações jurídicas.
No que se refere à esfera do Direito
de família, se faz presente, dentre outras, a preocupação de como se dará o
pagamento de alimentos, estes que são um direito fundamental do alimentando,
devendo ser fornecido sob pena de configurar a única conduta passível de prisão
civil em nosso ordenamento jurídico.
Sendo assim, a seguir passa-se a
abordar quais aspectos são analisados para o arbitramento da pensão
alimentícia, bem como de qual maneira esta sofre influência da pandemia do COVID-19
e qual é, por ora, a solução encontrada pelo Direito.
2. BREVE SÍNTESE DAS PERSPECTIVAS GERAIS DA PENSÃO
ALIMENTÍCIA
A pensão alimentícia é o valor fornecido em
dinheiro ou in natura (pelo
alimentante), para fins de subsidiar direitos básicos do filho, do ex-cônjuge
ou ainda de algum parente idoso (alimentandos), garantindo-lhes o direito à
vida digna. O presente trabalho concentra-se na pensão alimentícia promovida ao
filho.
Segundo Paulo Lôbo, em um viés
constitucional, a obrigação aos alimentos é perceptível pelo princípio da
solidariedade, disposta no art. 3º, I da CF.[1]
Além disso, o artigo 1.694, §1º do Código Civil brasileiro expressa o famigerado
binômio necessidade-possibilidade, ao dispor que: § 1o Os alimentos devem ser fixados na
proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Desse modo, para que seja
arbitrado o valor de pensão, será analisada a necessidade do filho, bem como a
possibilidade de recursos do pai ou mãe (alimentante), a fim de que não gere um
enriquecimento sem causa, tampouco contribua para violação de direitos básicos deste,
mas sendo um valor que auxilie de maneira efetiva os gastos do alimentando.
Vale
a ressalva de que o referido binômio é utilizado para arbitrar o valor a ser
pago pelo alimentante, não sendo, portanto, requisito ao direito de recebimento
da pensão pelo alimentando, no qual a necessidade já se presume diante de
filhos menores. Aos filhos que já atingiram a maioridade, é imprescindível a
demonstração da necessidade, posto que se deve demonstrar a impossibilidade de
arcar sozinho com os respectivos gastos.[2]
Com
esta breve exposição da pensão alimentícia, passa-se a análise das
consequências jurídicas do inadimplemento oriundo da pandemia do Covid-19.
3. DA PENSÃO ALIMENTÍCIA DIANTE À PANDEMIA
3.1. DO PAGAMENTO DE ALIMENTOS
Considerando o impacto que a
pandemia está causando na esfera da economia, além das necessárias readequações
sociais e também em variados ramos do Direito, surge o questionamento se diante
dessa nova realidade se mantém a obrigação de pagar a pensão alimentícia.
Entretanto, deve-se atentar ao fato
de que a pandemia não está gerando consequências de mesma proporção a
população, quer dizer, enquanto algumas pessoas se encontram extremamente
prejudicadas, seja por uma bruta diminuição salarial, pela impossibilidade de
exercício laboral ou ainda pelo desemprego, outras se encontram auferindo
maiores rendas.[3]
Assim sendo, não seria prudente a
suspensão de todas as obrigações referentes ao pagamento de pensão, pois embora
se tenha uma fragilidade econômica, se o alimentante não estiver sofrendo
diretamente com a referida fragilidade, não faz sentido pleitear a redução ou o
não pagamento até as coisas se normalizarem, pois, a sua possibilidade continua
a mesma.
O grande problema advém quando o alimentante,
decorrente da crise do coronavírus, encontra-se sem ou com poucos recursos,
sendo impossível o pagamento na quantia determinada sem gerar um prejuízo em
seu próprio sustento. Porém, diante da crise, deve-se pensar também nas
condições e necessidades do alimentando, uma vez que custos como alimentação
podem vir a aumentar, se, por exemplo, passasse integralmente na escola, mas
agora se encontra em casa. Sendo assim, da mesma maneira que pode haver uma
maior fragilidade do alimentante, pode, paralelamente, haver uma maior
necessidade do alimentando. Para esta questão, instiga-se, primeiramente, que
os pais da criança entrem em um consenso, visando o melhor para ambos e
principalmente para o alimentando. Todavia, se esta hipótese for de imediato
descartada, há a possibilidade de pleitear no judiciário a revisão dos valores
a serem pagos, muito embora, detenha uma maior morosidade e consequências
negativas ao maior interessado na relação que é o alimentando.
Portanto, o diálogo entre os
responsáveis é a melhor hipótese no presente momento, a fim de que mesmo com
certa redução decorrente da crise, seja garantido os alimentos ao filho.
Inobstante, quando até mesmo antes
da pandemia o alimentante já estava inadimplente, surge uma nova problemática
referente à prisão civil por dívida de alimentos.
3.2. DA
PRISÃO CIVIL POR INADIMPLÊNCIA NO PAGAMENTO DE ALIMENTOS
Primeiramente, é de praxe reforçar o
entendimento de que a prisão decorrente do não pagamento de alimentos possui
uma natureza coercitiva com a finalidade de obrigar o adimplemento pelo
alimentante, ou seja, não se confunde com a natureza sancionatória existente
nos processos penais.
Além disso, a prisão civil é
prevista pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXVII,[4] e o
incumprimento da obrigação deve possuir um caráter voluntário e injustificado,
sendo assim, àqueles que possuíram redução econômica durante o coronavírus não
se enquadram no mencionado caráter, contudo, devem buscar a solução mais
favorável ao alimentando, não vindo a se esquivar da obrigação a partir de uma
simples alegação de abalo de recursos financeiros.
Este é um importante apontamento,
pois na atual conjuntura também se discute as relações jurídicas a partir do
Covid-19 como um acontecimento de força maior, que retira ou mitiga algumas
obrigações. Embora se faça mais presente nas relações patrimoniais, é
importante ressaltar que a alegação de diminuição na esfera econômica decorrente
da pandemia deve ser efetivamente comprovada, perspectiva esta já consolidada
no âmbito jurídico, mas que reforça atenção novamente neste período a fim de se
evitar atitudes oportunistas.
Tendo em vista que a aglomeração e o
aumento de pessoas no sistema prisional geraria um risco ainda maior para a
proliferação do Covid-19, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação
número 62[5] no
dia 17 de março, a qual dispõe medidas de prevenção a serem adotadas enquanto
durar a pandemia. Para fins do presente artigo, focar-se-á apenas no seu art.
6º que recomenda a prisão domiciliar para os casos de dívida de alimentos:
Art.
6º Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação
em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à
redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de
disseminação do vírus.
A referida recomendação serve de
próprio reforço para a ciência de que a obrigação continua a existir em tempos
de pandemia e promoverá as mesmas consequências diante da ausência do seu
cumprimento, porém, visando assegurar direitos básicos dos presos se recomenda
a adoção pelos magistrados de uma medida temporária que é a prisão domiciliar.
Desde então, portanto, variados
Tribunais já proferiram decisões condizentes com a supramencionada
Recomendação:
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS.
I. Preliminar. Vício de representação. Questão não caracterizada, diante da
juntada de procuração pela exequente maior, com firma própria, quando já
exercida per se os atos da vida
civil, ainda que assistida. Preliminar rejeitada. II. Decreto de prisão civil
em desfavor do executado. Irresignação. Manutenção. Execução de alimentos afora
com respeito aos limites dispostos na Súmula 309 do C. Superior Tribunal de
Justiça. III. Incontroverso inadimplemento parcial e relevante das verbas executadas.
Prevalência da escolha do credor sobre o rito especial, que admite coerção
pessoal do devedor. Precedentes deste E. Tribunal. IV. Débito alimentar que não
perde sua atualidade por ter sido objeto de avença em sede de execução,
posteriormente descumprida. Compreensão contrária que redundaria em premiar o
executado por seu comportamento contrário à lei. Precedentes do C. Superior
Tribunal de Justiça e desta Corte. V. Excesso de execução. Contrariedade do
devedor que veio desacompanhada do demonstrativo discriminado e atualizado do
cálculo. Providência exigida pelo artigo 525, §4º, do Código de Processo Civil.
Magistério doutrinário. Precedentes deste E. Tribunal. VI. Relativização das
necessidades das exequentes. Matéria levantada que se revela incabível para
apreciação em sede de execução de alimentos. Entendimento desta Câmara.
Licitude do decreto de custódia. VII.
Prisão, nos termos do artigo 6º, Recomendação 62/20, CNJ, que deverá ser na
modalidade domiciliar, enquanto perdurar a pandemia de Covid-19. DECISÃO
PRESERVADA. AGRAVO DESPROVIDO. (TJ-SP
– AI: 20025547320208260000 SP 2002554-73.2020.8.26.0000, Relator: Donegá
Morandini, Data de Julgamento: 31/03/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 31/03/2020).
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL.
ALIMENTOS. EXECUÇÃO PELO RITO DO ART. 528 DO
CPC. 1. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUITAÇÃO DA DÍVIDA. PAGAMENTOS PARCIAIS QUE NÃO
ELIDEM O DECRETO PRISIONAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DO BINÔMIO ALIMENTAR QUE NÃO
CABE NA ESTREIRA VIA DO WRIT. LEGALIDADE DA ORDEM. DECRETO PRISIONAL MANTIDO. 2. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE CUMPRIMENTO
DA PRISÃO CIVIL EM REGIME DOMICILIAR. PANDEMIA. COVID-19. ART. 6º DA
RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020, EM 17 DE MARÇO DE 2020, DO CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. (TJ-RS – HC: 70083780734, Relator:
Sandra Brisolara Medeiros, Data de julgamento: 17/04/2020, Sétima Câmara Cível,
Data de Publicação: 08/04/2020).
Em
suma, não há uma suspensão do pagamento e tampouco da prisão civil no período
de pandemia, mas há necessidade de promover medidas mais seguras a população
carcerária; a solução temporária encontrada pelo Direito é a determinação de
prisão domiciliar.
CONCLUSÃO
Por fim, sintetizando as vertentes
expostas no presente trabalho, dá-se enfoque à visão de que mesmo estando
diante de uma realidade bastante complicada especialmente no quesito econômico,
o Direito precisa de medidas conscientes e fundadas no caso concreto, ou seja,
haverá casos em que de modo direto o alimentante sofreu uma diminuição
aquisitiva que interferirá no pagamento de pensão, contudo, haverá casos em que
não será observada essa relação direta de pandemia-diminuição aquisitiva, não havendo
que se falar em impossibilidade ou revisão dos alimentos.
Os alimentos configuram-se como um
dos direitos fundamentais do alimentando e devem ser asseguradas mesmo diante
de imprevistos. Mais que nunca o atual contexto irá exigir uma maior cooperação
entre as partes.
Por fim, ressalta-se que as decisões
deliberadas visam suprir eventuais dificuldades oriundas da pandemia e,
portanto, possuem um caráter integralmente transitório/temporário.
[1]
LÔBO.
Paulo. Direito civil: Famílias. 9.
Ed – São Paulo: Saraiva, 2019. p. 384.
Art. 3º, CF. Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I -
construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[2]
DIREITO DE FAMÍLIA.
CIVIL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. REDUÇÃO. BINÔMIO. NECESSIDADE-POSSIBILIDADE.
ALTERAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. MAIORIDADE CIVIL DO FILHO. CURSO SUPERIOR.
MATRICULADO. PENSÃO. MANUTENÇÃO. NOVA PROLE. IRRELEVANTE. 1. Na ação de
exoneração ou revisão de alimentos, caberá ao autor a demonstração da
existência de algum fato capaz de implicar alteração do binômio necessidade-possibilidade
e, por consequência, de causar desequilíbrio entre as partes, seja em função do
aumento da necessidade do beneficiário, seja em decorrência da redução da
capacidade do genitor. 2. A maioridade
civil não representa, necessariamente, a independência financeira do
alimentando. Por esse motivo, a jurisprudência já consolidada nos tribunais
pátrios tem garantido ao filho maior, que esteja estudando, a manutenção da
pensão alimentícia que já venha percebendo, desde que reste comprovado o
binômio necessidade e possibilidade. 3. A pensão alimentícia, nesses casos,
deve distender-se até que o filho complete os estudos superiores ou
profissionalizantes, com idade razoável, e possa prover a própria subsistência,
sendo que, por idade razoável, a doutrina e a jurisprudência têm utilizado como
parâmetro 24 (vinte e quatro) anos de idade. 4. O fato do alimentante ter
constituído nova família e ter outros filhos, por si só, não enseja a redução
ou exoneração dos alimentos. 5. Ausente demonstração da redução da capacidade
contributiva do alimentante, mostra-se correta a improcedência do pedido de
exoneração ou redução da pensão alimentícia. 6. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF 07068429320188070020 – Segredo de
Justiça 0706842-93.2018.8.07.0020, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Data de
Julgamento: 25/03/2020, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado pelo PJe:
14/04/2020. Pág.: Sem Página
Cadastrada)
[3] Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/03/05/coronavirus-quem-esta-ganhando-dinheiro-com-epidemia.htm>.
[4]
Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel; (...)