Violência
doméstica e dilapidação patrimonial
Autores: WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná
VALDERIANE SCHIMICOVIAKI, advogada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho
Resumo
A violência doméstica, infelizmente,
é uma realidade vivenciada por muitas mulheres, uma vez que, muito embora se
tenha métodos de proteção na esfera jurídica, estes acabam sendo utilizados depois
da consumação da agressão no caso concreto.
Ao falar de proteção advinda do
âmbito do direito, não se pode deixar de mencionar a Lei 11.340/2006, a qual
será objeto de estudo no presente artigo, tendo em vista o reconhecimento de
distintos tipos de violência doméstica e familiar e sua consequente proteção,
assegurando direitos básicos às mulheres.
Desse modo, passemos a analisar as
consequências da violência patrimonial, especificamente o que concerne ao crime
de dilapidação no direito de família.
1. Introdução
Dentro do direito de família não é
incomum a discussão de questões patrimoniais a partir da dissolução da
sociedade conjugal, pois esta é uma de suas principais decorrências que enseja resolução
pelo próprio direito.
Por se tratar de um momento
delicado, algumas pessoas tendem a reagir negativamente, a ponto de buscar
afetar, atacar e prejudicar a pessoa com quem, até pouco tempo antes, estava inteiramente
ligado, seja afetivo ou juridicamente. A partir disso, consegue-se trazer à presente
discussão a própria violência doméstica sofrida por muitas mulheres no seu
âmbito familiar, visto que quando não ocorrem durante o relacionamento, verificam-se
a partir da iniciativa de separação.
Assim, segundo levantamento de dados
do Sistema Integrado de Atendimento à Mulher, teve-se, em 2018, 62.485
denúncias referente à violência doméstica e familiar.[1]
Contudo, percebe-se que ao falar em
“violência doméstica e familiar”, geralmente somos direcionados a entender violência
física e psicológica, sem se dar conta que, em meio a relação conjugal, também
é comum a existência de violência patrimonial, esta que ainda pode ser pouco
clara para alguns, mas que também se configura como amparo à proteção da mulher,
estando expressamente disposta na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Sendo assim, o presente artigo busca
demonstrar a incidência da violência doméstica ocorrida a partir da dilapidação
patrimonial, que é um dos tipos de violência.
2. Lei Maria da Penha e Dilapidação Patrimonial
Por muito tempo, tendo em vista o
próprio contexto social e cultural da época, o direito regulamentou certa
desigualdade entre homens e mulheres, principalmente no que se refere ao
direito de família. A partir da igualdade formal expressamente declarada no texto
constitucional em 1988, grande parte do Código Civil de 1916 se transformou em
letras mortas, deixando claramente demonstrada a necessidade de formulação de
um novo Código, que fora promulgado em 2002, mais compatível com a atual
conjuntura social e jurídica.
A partir dessa premissa que permitiu
um maior espaço às mulheres, desenvolveu-se, depois de uma história regada de
violência e tentativas de homicídio, a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei
Maria da Penha, que regulamenta os casos de violência doméstica e familiar
baseadas no gênero.
O mais interessante da referida lei
é a sua disposição sobre vários tipos de violência, não se resumindo apenas na
violência física, com a finalidade de ampla proteção. Desse modo, seu art. 5º
determina que:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura
violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada
no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial
(...) (grifo nosso)
Um dos tipos de violência é a
patrimonial, que embora seja desconhecido ou pouco requerido como um recurso de
defesa da mulher, é de extrema importância. Em seu art. 7º, IV, é configurada
como:
Art. 7º São
formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(...)
IV - a
violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; (grifo nosso)
(...)
Sendo assim, passemos a tratar da
dilapidação patrimonial, a qual, resta configurada quando o cônjuge subtrai
recursos econômicos que a ele não pertencia integralmente, bem como quando depreda
bens, tais como automóvel ou imóvel da ex-cônjuge, com o único objetivo de
amedrontá-la e lhe colocar em situação de fragilidade econômica. Muitas vezes essa questão advém de
inconformidade ao término do relacionamento, visando afetar a ex-companheira patrimonialmente,
o que, diga-se de passagem, afeta outras esferas, ampliando a vulnerabilidade da
vítima.
A dilapidação patrimonial é
compreendida como um crime, ensejando, consequentemente, aplicação do Código
Penal brasileiro. Contudo, a própria decorrência de danos patrimoniais causados
à vítima de violência doméstica, estes que são, não raras vezes, advindos de
uma tentativa de reiterar posições de poder distintas entre os cônjuges no
referido âmbito, enseja aplicação e discussão do Código Civil, visto que, “Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (art. 927,
CC).
Assim, passa-se a verificar, a
seguir, como a proteção ora discutida pode ser requerida pela vítima e quais
são seus desdobramentos processuais.
3. Dilapidação Patrimonial em
sede de Direito de família
É necessário pontuar que o art. 24
da Lei Maria da Penha, permite a determinação liminar de medidas protetivas a
fim de diminuir a possibilidade e/ou efeitos da violência patrimonial praticada
pelo agressor:
Art. 24.
Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I - restituição
de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição
temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de
propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III -
suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV -
prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
ofendida.
Salienta-se também que a
possibilidade de análise das referidas medidas protetivas não depende da
existência de uma ação penal, reforçando que o tema possui sua abordagem tanto
no âmbito penal quanto cível.
A partir desse entendimento, há
possibilidade de discussão de violência doméstica e, consequentemente, dos
casos de dilapidação, já no decurso de ações de divórcio, por exemplo.
Para fins do direito de família, o
art. 24 acima mencionado evidencia a incidência do âmbito privado nos casos de
violência doméstica. Além do mais, o seu inciso IV claramente expressa a
possibilidade de requerimento de indenização por danos materiais, advindos da
agressão cometida pelo cônjuge varão.
Deste modo, segundo os ditames da
responsabilidade civil, para que se tenha indicação de um responsável, é necessário
a existência de uma conduta (ação ou omissão) ilícita, da qual emerge um dano,
tanto material (diminuição de bens patrimoniais) quanto moral (afronte à esfera
psíquica), e também o nexo de causalidade, que corresponde dizer que o dano
mencionado sobreveio da conduta ilícita, sendo o agente desta, o responsável
pelo pagamento de indenização, a fim de restituir o dano causado, nos moldes do
art. 927, CC.
Sendo assim, a mesma lógica é
seguida nos casos de dilapidação concernente à destruição parcial ou total de
bens da ofendida.
4. Conclusão
Diante de todo conteúdo exposto,
conclui-se a importância da aplicação da Lei Maria da Penha no âmbito cível e
processual no que se refere à violência patrimonial.
As medidas protetivas que promovem
proteção mais imediata à mulher é um instrumento processual extremamente
relevante para se inibir a ação do agressor no plano patrimonial da vítima,
podendo vir a determinar, como mencionado, a devolução de quantias subtraídas
indevidamente, bem como proibir a disposição exclusiva do agressor aos bens em
comum ou dos bens pertencentes apenas à vítima. Por fim, em sede de
responsabilidade civil também se evidencia o direito de requerer danos
materiais a título de indenização.
[1]
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Balanço anual: Ligue 180 recebe mais de 92 mil denúncias de violações
contra mulheres. Publicado em 06/08/2019. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/agosto/balanco-anual-ligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres>.
Acesso em: 03/03/2020.